Brócolis.

December 1, 2009 § 16 Comments

Uma vez enquanto eu conversava com um amigo meu sobre uma parodiazinha que eu fiz do refrão de Paradise City (take me down to the Paradox City, where the glass is full and the girls are simple) a gente discutiu um pouco sobre como funciona o meu processo criativo, e como, via de regra, eu me lembro do caminho que eu percorri pra chegar a algum resultado qualquer (um texto, uma poesia, uma letra, uma piada, etc.).

Bom, esse texto não é assim.

Eu não sei como eu cheguei à essa conclusão, não sei o caminho e nem sei se é verdade, mas tá na hora de dar prosseguimento ao texto sério, para depois escrever mais textos sobre sexo.

O problema é que, invariavelmente, esse texto tende a se tornar algo estranho: como você expõe uma idéia que você não sabe como foi construída? Se o processo de pensamento não tem um começo, um meio e um fim discerníveis, é impossível conduzir a dança leitor-autor. Assim, por incapacidade minha de traduzir em palavras o que sinto, corremos o risco de nos chocar nesse salão de baile.

De qualquer forma, em que pese a falta de arte, preciso tentar expor o que penso, mesmo que para me reler e tentar encontrar o começo, o meio e o fim para, no futuro, quando for relevante falar isso a alguém, eu tenha a tese estruturada.

Pra ter uma idéia, eu acabei de apagar o que eu tinha escrito até aqui (mais de cinquenta linhas) porque não estava fazendo sentido nenhum, de forma que e eu resolvi começar pelo final:

As pessoas oferecem pro mundo exatamente aquilo que elas tem de melhor.

Sim, é isso.

Sabe o babaca que enfia a mão na buzina dois segundos depois de o farol abrir? É o que ele tem de melhor.

Sabe aquela pessoa que genuinamente se preocupa com você? É o que ela tem de melhor.

Sabe o médico neurocirurgião? O advogado foda? O engenheiro genial? É o que eles tem de melhor.

Sabe o político corrupto? É o que ele tem de melhor.

Sabe a gostosa burra, que passa as tardes no shopping e na academia, cuja profissão dos sonhos “esposa”? É o que ela tem de melhor.

Não existe potencial. Não existe “eu poderia ser melhor mas não sou“.

Se você pode agir melhor, mas não age, é porque você não quer. Se você não quer, você não é melhor do que como agiu. A vontade precede a ação, e não há mudança sem ação.

Eu sei que isso parece deveras revoltado, mas não é. Muito pelo contrário.

Se você vai jantar na casa de alguém, e tudo o que ele tem pra te oferecer é brócolis, você fica bravo? Triste? Rancoroso? Magoado?

Se fica, não deveria: É o que essa pessoa tem de melhor! Ela só sabe cozinhar brócolis!

Isso não significa, obviamente, que você deva se sujeitar a tudo: se uma pessoa só sabe cozinhar camarões e você é alérgico a camarões, não jante com ela. Ou a acompanhe, mas não coma.

Da mesma forma, não quero dizer que nós somos estáticos e acabados, e que não podemos nos tornar melhor do que somos: podemos sim, mas isso não implica em “potencial desenvolvido” é reinvenção de si mesmo. É mudança. É aprender coisas novas: Você só tem brócolis para oferecer, mas, de repente, você aprende a cozinhar arroz, ou omeletes, ou macarrão, e passa a ter mais coisas para oferecer para o mundo.

E isso é bom! Pessoas que gostam de brócolis, macarrão, ovos e arroz vão querer sentar à sua mesa, o que é algo extremamente agradável! Talvez elas, experimentando coisas novas, sintam vontade de aprender novas receitas. Receitas que você sabe e pode ensinar. Ou você pode inspirá-las a testar novas receitas.

E nada impede que você continue a frequentar as mesas das pessoas que só cozinham uma coisa, ou tem uma especialidade só, aproveitando e experimentando o que ela tem a oferecer, mesmo que você não goste. Afinal, se hoje você é chef, um dia você só soube cozinhar um prato, como ela.

E, subitamente, se você entender que as pessoas oferecem aquilo que elas tem de melhor, você vai parar de perdoar os erros dos outros.

E você vai parar de perdoar porque não vai mais ter necessidade: perdoar o quê, se ela não tem culpa de nada? Você não culpa uma roseira por ter espinhos, ou uma laranjeira por não dar maçãs.

E, se lendo isso tudo o que te passa pela cabeça é “eu não tenho que comer algo que eu não gosto, nem dividir o pão com pessoas que só cozinham coisas que eu não gosto”, me permita uma pergunta: você cozinha alguma coisa da qual todos gostem?

§ 16 Responses to Brócolis.

  • Special says:

    Quando se observa o crescimento de qualquer coisa, logo se percebem que, cada qual tem seus aspectos peculiares, que delimitam claramente fases de transição, onde a transformação cíclica é a única certeza.
    O constante e sempre cíclico transformar-se , o que caracteriza aquilo que é eterno. Não existe o eterno estático, pois este não poderia escapar das leis de transformação de si mesmo, onde aquilo que não muda, definha e morre.
    É uma lei natural, o que não se transforma, ou se adequa, ou melhora, se desgasta até o fim.
    Eterno é seu movimento, perfeito o seu ritmo, perfeito a sua causa e efeito, perfeito é o eleger do imperfeito como a força motriz de todas as transformações.

    Desculpa mais uma vez ser tão extensa nas minhas colocações ….

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  • Alex says:

    E enquanto eu digo que a culpa é de todo mundo… você diz que a culpa é de ninguém. E nós dois estamos certos, porque o tudo é um, o sim e o não é o um. Mas ninguém vê isso.
    A nossa resposta frente a alguém gritando por causa de um problema talvez fosse a mesma: “deixa ele”. Mas por razões diferentes, chegamos a conclusões diametralmente opostas, mas exatamente iguais.
    Porque o tao verdadeiro não pode ser escrito.

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  • Renata says:

    gosto dos seus textos anarco… e mais ainda dos seus comentários no meu blog!

    Bom, tudo o que você disse faz um sentido enorme pra mim. E quando pensamos dessa maneira, nos permitimos aceitar mais os outros, mesmo que aquilo nos mate por dentro, aceitar diferenças só é bonito de dizer, mas é muito dificil por em pratica.

    Espero que você esteja realmente usando isso em sua vida. Eu não consigo sempre.

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    • Anarcoplayba says:

      Então… alcançar a paz é fácil… o difícil é manter. So far, so good: esse texto começou a nascer no sábado, então, 96 horas de compreensão e paz n é grande mérito.

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  • Lilian says:

    Bom dia…
    Sobre aceitar as diferenças:
    Aceitar as nossas e aceitar as do outro, que, provavelmente, não aceita as nossas! rs…
    Aceitá-las no Outro não é tarefa fácil, mas depende de nós e já que as diferenças existem, e é bom que existam, o melhor a fazer é aceitá-las para poder, enfim, lidar com elas de forma mais prática, mais sábia. Sempre imagino que aceitar a vida como ela é pode ajudar bastante a viver com qualidade, dignidade, inclusive possibilitando que façamos mudanças e transformações no que pode ser melhorado. Observar com critério e considerando o todo… o todo que está fora de nós, que diverge de nós, mas que tb nos influencia e afeta. Quando sabemos considerar o que não somos nós, podemos transitar mais tranquilamente por entre os fatos e atos.
    Mas quando aceitamos as diferenças acabamos percebendo que a grande maioria não age dessa forma. E compreendemos, enfim, que “as nossas diferenças” possivelmente não serão aceitas. Aceitar os outros cabe a nós, ser aceito pelos outros com a nossa singularidade, cabe ‘apenas em parte’ a nós. Que saibamos lidar com esse fato sem nos agredirmos… Que não estejamos aprisionados ao entendimento desse outro, pois que pode nunca vir… Que possamos partir, seguir, apesar de não sermos devidamente reconhecidos, compreendidos e considerados. Mas que possamos fazer valer o nosso direito, principalmente o direito de ser e existir, mesmo sem a devida consideração de nosso ser singular. Afinal, compreendo que alguns institutos sociais foram criados para harmonizar nossas diferenças, já que essa atitude não me parece algo natural nos seres. Se bem que observando com mais critério, percebo que em razão dessa tendência egoísta, esses institutos e intituições acabem por abortar suas melhores intenções e vão atender mais ao egoísmo de uns do que a solução justa dos conflitos gerados pela diversidade das relações humanas. É como se ao final se premiasse o egoísmo, já que este é maioria e funciona como lei, sem que nos demos a devida conta disso.
    Jacques Lacan tem uma historia que ilustra bem a natureza de nossas relações. Vale a pena ler: “O escorpião e a rã” _ ao final percebe-se que não se consegue mudar a natureza íntima dos seres. Portanto que estejamos atentos. Mais que isso que tenhamos o direito de traçarmos destinos diferentes para nós. Mesmo sabendo que a estrada ao findar vai dar em nada, nada, nada, nada, nada do que eu pensava encontrar… Que, pelo menos, o nosso caminhar tenha valido a nossa pena…

    Ps*… Fórmula infalível para uma grande noite de sexo. Que as pessoas envolvidas se considerem, não estranhem serem diferentes, pelo contrário, se aproveitem desse fato. Sejam criativas e fiquem à vontade juntas. O mais é deixar fluir com natural simplicidade. Que deixemos falar esse encontro de corpos e almas…

    bjo.

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    • Anarcoplayba says:

      Lilian,

      Confesso que a linha que as coisas estão seguindo me deixa preocupado (o que será matéria de post), mas quanto a ser aceito e reconhecido pelo mundo: Quem SABE quem é, não precisa do reconhecimento do mundo. E, embora o Anarcoblog tenha vindo do Malandricus, que era um blog no qual falávamos de gostosas da MTV, hoje a tônica é essa: Quem EU SOU?

      Eu não sei como falar isso de forma que não pareça críptica, nem sem roubar as palavras de terceiros, mas quem se conhece, conhece o mundo e os outros, e se conhecendo e se entendendo, você conhece e entende o mundo e os outros. Percebe que desaparece a necessidade de perdão?

      Acho que essa é a aceitação de Buda com o amor de Cristo.

      E minha amiga… quanto à sua fórmula para uma noite perfeita, você vai amar o texto sobre preliminares.

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  • Nicky-san says:

    Welcome to the magic and torturing world of writing!

    Você se sai bem, sabe nos envolver com seu raciocínio.
    Se é o que você tem de melhor pra oferecer, a gente aceita!

    Não para.

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  • Karina says:

    As pessoas oferecem ao mundo o que elas têm de melhor.
    Ok.

    Um pessoa me disse exatamente isso, que me oferecia o que tinha de melhor naquele momento. E era verdade. Mas o muito que essa pessoa me oferecia era muito pouco para mim.

    As pessoas têm prioridades na vida, Anarco, e isso inclui considerar ou não outras pessoas como prioridade. O que vc chama de reinvenção de si mesmo é a prova maior que temos do quanto somos ou não importantes para os outros. Não estou falando de perda de personalidade, mas dessa reinvenção mesmo, dessa compreensão de que se quero que fulano que não gosta de brócolis venha almoçar comigo tenho que aprender a fazer outro prato. Muitas vezes já ajuda se só mudar o preparo. Um brócolis no vapor é mais saboroso, e vai que a pessoa descobre que brócolis nem é tão ruim assim. Já chegamos num ponto de convergência. Mas buscar verdadeiramente encontrar o que é melhor para o outro é que mostra o valor que esse outro assume em vc. Tropeçando, sim, mas tentando.

    Do outro lado da história, admitir as limitações do outro, entender que muitas vezes ele não FAZ assim, ele simplesmente NÃO PODE SER de outro jeito, ajuda a não alimentar ressentimentos. E, concordo, a partir do momento em que vc se conhece melhor vc passa a cobrar menos das pessoas. Não pq de repente vc passou a gostar do que antes n gostava, mas pq vai surgindo uma certa condescendência. Vc não tem mais a necessidade de que as pessoas se encaixem em vc. Se elas se encaixam (mesmo com arestas a aparar), ótimo. Senão, bola pra frente. Conhecer-se traz uma independência absurda.
    O perigo é que essa aceitação impassível dos limites dos outros, quando aliada à independência, pode custar uma vida de relacionamentos superficiais. Às vezes é preciso investir para conquistar reinvenções, e o independente corre o risco de nunca estar diposto a isso.

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  • Lilian says:

    Rs…
    Ahhh…sobre o perdão, concordo. Se estou aqui compreendendo a vida… Tradução: estou aqui amando a vida, assim, sei de ante mão que: “Não há o que perdoar o verdadeiro amor é vão”. Isso do perdão cabe mt mais de nós para conosco, ou de nós para com Deus, esse Deus, no caso, sendo a força espiritual que nos daria a plenitude em nós e no mundo, mas que a gente rejeita para ficar com as sobras de um amor pequeno e egoísta, longe de nos fazer humanos e gratos pela vida… Quero um amor maior, um amor iluminado. Mas se ficamos no embate dos egos arquetípicos, sem deixar que o nosso verdadeiro EU possa se dizer, acumulamos egos e abafamos o EU e… nos podemos perder, ou no mínimo, perdemos a verdadeira chance de SER. De quantos ‘não ser’ é feito o meu ser? De quanta renúncia precisei para chegar a minha essência, a minha simplicidade ao meu EU? O EU que vos falo é esse que se pergunta com toda a sinceridade: “Existirmos a que será que se destina?”…
    Aí me vem a mente esta “Oração de São Francisco: _Compreender que ser compreendido, amar que ser amado…”
    Mas se fazer amar/compreender/considerar é tb de suma importância para os corações quebrantados e descrentes da vida e da humanidade… Em parte é como devolver a cada um a fé na humanidade e assim recuperar, inclusive, a fé em si mesmo, em sua própria humanidade. E… “Saber amar (tb) é saber deixar alguém te amar”_ Aprender a amar é quase uma ciência, é pelo menos uma consciência… rs… Aprender verdadeiramente do amor, é já amar e ser amada… Mas ser amada sem posses, para que o amor que ama vc, possa sair a amar pela vida como seu destino maior. Talvez só sejamos amados em nossa partida, porque somos um pouco assim, a dar importância aos momentos, apenas depois que passam, às pessoas, depois que nos faltam. Mas aí o amor já será matéria vida e fará parte de cada um. Não estaremos presentes, mas ahhh…rsrsrs…o nosso amor nos presenteficará pra sempre! Disso eu não duvido mais! rs
    Sabendo lidar com essas instâncias não perdemos as forças e seguimos pacientemente (internamente) sorrindo, sabendo q sim, fizemos o que tinha q ser feito, mas que os efeitos serão sentidos mais tarde, e certamente não poderemos ser testemunhas… Mas creio que isso já não importará mais…

    Faltou dizer mt coisa, mas estou correndo… Depois, se o acaso assim desejar, voltaremos a esse lindo tema.
    Gosto mt do seu texto.

    Sobre as preliminares: rs
    Elas se iniciam na mente…rs…
    Quando minha mente acaricia o futuro encontro, imagina doces beijos, se perfuma…Quando minha mente ousa e despe antecipadamente o parceiro que virá e se despe sutilmente, porém à vontade e livremente, tudo ruma para uma grande noite de amor, para um grande encontro de amor eterno enquanto dura…
    bjo.

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  • Lilian says:

    Hummm…
    Pensei nessa frase: “É dando que se recebe” _ mas ainda estamos pensando em receber? Apenas receber?
    Então:
    “É recebendo que se dá?” Parece mais generoso…
    Mas sinto que a sabedoria esteja guardada nesse dar e receber. Se dar e se receber, se receber e ser dar… Receber o que o outro tem pra dar, não depender disso, mas a forma com que o recebemos pode fazer com que esse ser tb se receba… Enfim, papo pra muita conversa ou conversa pra muito papo?
    Eu voltarei…
    rs

    bjo.

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  • Lilian says:

    Ahhh… rs
    Conhece o texto de Clarice Lispector: Perdoando Deus?
    Vale ler! Melhor ainda se puder ouvir com Araci Balabarian num cd sobre Clarice. Aqui no Rj não encontro!

    Perdoando a vida…?
    Compreender a vida, a vida como mistério, estar em paz com o insondável e amar, acima e além de tudo, amar e agradecer pela vida! Pela nossa vida, por toda a vida! Estar em estado de graça!

    Graça_gRAÇA!
    Força e fé na vida para poder lidar com o insondável.

    bjo.

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  • […] só o Brócolis já seria o suficiente pra fazer 2009 valer à […]

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  • Lívia Ludovico says:

    Eu sei que vc pensa q certas coisas não precisam ser ditas… Eu nunca falei o que este texto representa pra mim… Mas digo agora: Pra mim, Brócolis é o number one do top five do Anarcoblog!

    Eu visito demais isso aqui.

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    • Anarcoplayba says:

      Engraçado… embora eu goste muito, é um dos que pasam em branco pra mim…

      De fato, o texto não é mais do escritor depois de escrito. ;)

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      • Lívia Ludovico says:

        Vai ver porque ele reúne, pra mim, beleza e substância. Gostar de brócolis também ajuda… Um belo buquê verde! ;)

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