Gênesis.

December 21, 2009 § 18 Comments

Gênesis é um dos projetos mais interessantes que eu já vi nos quadrinhos desde a onda de adaptação dos clássicos na década de 80, quando adaptaram algumas o obras para a arte sequencial.

Pessoalmente, eu sou um grande fã de quadrinhos, assim como de punk rock, e o que eu digo é que tudo fica melhor em quadrinhos e em punk rock:

Crumb decidiu fazer uma adaptação de todo o gênesis para os quadrinhos e o resultado foi muito interessante.

Pessoalmente, eu não gosto muito de Crumb. Acho o traço muito caricato. As mulheres são irrealmente desproporcionais. Além disso, os traços são, na falta de definição melhor, “sujos”: rugas, pêlos, verrugas, etc.

Por outro lado, embora me desagrade, admito que os traços “sujos” são interessantes dentro do contexto: Ele está falando de uma história sendo contada num deserto, alguns bons milênios atrás. Presume-se que as pessoas fossem sujas.

Por outro lado, embora os traços de Crumb não me agradem muito, em alguns aspectos eu fiquei bizarramente surpreso.

Por partes, gente pra caralho me falou que ler a bíblia é algo bem relevante. O problema é que a bíblia foi bem mutilada. Notadamente por aquele bando de pervertidos que ficava nos mosteiros praticando a maior perversão: Abstinência sexual.

Ou seja, eles arrancaram coisa pra caralho do texto original, o que é uma merda, porque isso tira muito da dimensão original, o que as ilustrações de Crumb, por serem de um caráter sexual alto, conseguem recuperar.

Por exemplo, quando Abimelec olha pela janela e vê Isaac “se divertindo” com sua mulher Rebeca no jardim, sendo que ele disse que Rebeca era sua irmã e não esposa. Cáspita: “Viu ele se divertindo”. Isso é sexo! Plano e Simples!

Em dois momentos um patriarca chama um escravo, e diz pra ele: Coloque sua mão sob minha coxa e jure que vai fazer tal coisa. Coloque sua mão sob minha coxa o caralho: É pega no meu pau e faz o que eu tô mandando!

Em outro momento as filhas de Abrãao o embebedam e se deitam com ele. Ok, isso é incesto, o que é inaceitável na nossa sociedade. No entanto, em algumas sociedades matriarcais não passa nem perto de um tabu, porque a linhagem e o comando da família é dado pelas mulheres.

E nesse ponto, entra um aspecto interessante: é de conhecimento geral que em algum momento da história da humanidade, ela foi comandada pelas mulheres. Em algum momento, os homens inverteram isso.

Só que as pessoas pensam que “sempre foi assim”, quando não foi. Pior ainda: existem chances reais de que esse período matriarcal esteja mais próximo do que imaginamos. Não que as coisas fossem ser melhores se estivéssemos num matriarcado. Afinal, quem acha que mulheres são mais “justas” ou “boazinhas” nunca leu sobre Medéia.

É interessante ver como o momento no qual a humanidade se encontra dá a tônica de como ela enxerga o mundo, especialmente a visão de Deus.

O Deus do velho testamento não é o “nosso” Deus: é um produto de um momento cultural único da história da humanidade. É um deus que teme a humanidade (vide a torre de Babel e a expulsão do Éden), um Deus vingativo, um Deus que precisa de sacrifícios de animais mortos.

E mais: é um Deus que NUNCA afirmou ser o “Deus único”, mas sim “O Deus de Abraão”, o “Deus dos Judeus”, etc, etc.

No entanto, nós (e estou me situando num país católico de educação predominantemente cristã) fomos apresentados a Deus como se o Deus dos Judeus fosse o Deus único e os outros fossem “erros”, “mitos”, “enganos”, ou pior: “coisa do demônio”.

E nem cogitamos a hipótese de que o deus “ser humano grandão” que nos ensinaram não está conceitualmente errado. Achar que essa é a única resposta, no entanto, está.

Porque o nosso conceito de Deus é dado em uma função direta de nosso caráter humano.

E o mundo precisa de deuses melhores.

§ 18 Responses to Gênesis.

  • André W says:

    Excelentes os últimos paragrafos. Apenas uma correção: em “O Deus do novo testamento não é o “nosso” Deus” acredito que vc se refira ao Deus do antigo testamento.

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  • Nicky-san says:

    É engraçado… Ontem eu estava fazendo “pesquisa de campo” pra escrever a próxima historinha. Estava lendo exatamente o Gênesis.

    Não costumo me aprofundar nessas questões (minhas questões) de fé, acho que cada um com a sua… Mas pensei “Ah, por que não? Nem deve ser tão ruim assim tomar partido da vida. O máximo que vai acontecer é eu me decepcionar ^^”

    Acho que não, o mundo NÃO precisa de deuses melhores. Os deuses é que precisam de um mundo melhor.

    (But once again, questão de pontos de vista.)

    Ótimo texto.
    Beijo

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  • Karina says:

    Não só os cristãos. Cada religião defende seu deus, ou melhor dizendo, sua concepção de deus. Pq todas as religiões acreditam em um deus único. Ou não? Isso só n acontecia nas sociedades politeístas, que nem sei se ainda existem. Mas, de resto, o que as religiões defendem é justamente uma conduta que entendem ser a correta segundo “seu” deus ímpar.
    É tudo uma loucura. Acho que o mundo precisa é de mais humanidade e menos deus, pq a crença nos deuses tem nos mostrado, desde sempre, que conjuga os dois lados da balança… é a salvação para uns e a condenação para tantos. Se deuses melhores significam pessoas melhores, opto por pessoas melhores que n precisem se apoiar em um deus para praticar o que têm de bom.

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    • Anarcoplayba says:

      Odeio ter que me explicar (notadamente porque significa que eu não consegui passar a mensagem que eu queria), mas: “Porque o nosso conceito de Deus é dado em uma função direta de nosso caráter humano.”

      Se o conceito de Deus é uma função da humanidade, para termos deuses melhores, precisamos “apenas” de humanos melhores.

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      • Karina says:

        Odeio ter que retrucar tb, mas… essa explicação foi para mim? Como está embaixo do meu nome, parece que foi. Estranho pq entendi exatamente o que quis dizer, tb achei que eu tivesse deixado claro. Só coloquei que prefiro, simplesmente, humanos melhores sem deuses. E agora me estendo um pouquinho mais: digo isso pq seria bem louvável que as pessoas n precisassem de uma fé para ter condutas melhores. Pra vc ter uma ideia, foi feita uma pesquisa (depois se quiser pego a fonte) em que as pessoas declararam que, se n houvesse a perspectiva de um “castigo” religioso, ou, por outro lado, de uma “salvação”, suas atitudes não seriam tão… razoáveis, digamos assim.
        Capisce?

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      • Nicky-san says:

        Karina, acho que um dos maiores mistérios que existem é o que as pessoas são capazes de fazer por causa da fé.
        Uns não fazem coisas erradas, outros fazem coisas erradas escondidos… Uns salvam, outros matam…

        Já li que “onde não tem pecado, também não tem perdão.”

        É divertido. Concordo que as pessoas deveriam praticar as coisas boas sem o respaldo de uma “força superior”. Mas acho que essa força superior(aliás, superior? igual? não sei…) não deixa de estar presente só porque a gente não pensa que ela está.
        (ai, entendeu?)

        Anyway, acho que você(s) deveria(m) ler o texto desse menino aqui: http://apenasumfoca.wordpress.com/2009/12/21/a-versao-do-diabo-%E2%80%93-parte-i/

        Outra visão divertida da velha “Bem/Mal”, “Deus/Diabo”, etc etc.

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  • Karina says:

    Entendi, Nicky. Tb acho que essa força está presente, sim. Não há explicação científica que suporte tantos mistérios. Mas uma coisa é vc ser guiado inconscientemente, por uma “energia” que n sabemos o que é ou a que vem; outra é “idealizar” uma força(o que frequentemente é representado por esse deus-material), para, conscientemente, a partir dos ditames supostamente pregados por esse deus, estabelecer seus critérios de conduta.
    Minha vez: ai, entenderam? rs
    Enfim, sempre vale a discussão. Pena que seja como discutir sexo dos anjos.
    Anarco, olha seu blog se transformando em blog-fórum tb.

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    • Nicky-san says:

      Entendi! E concordo com você. Again. =)

      Sempre que a gente idealiza alguma coisa, a tendência é quebrar a cara, não é?

      Por isso que eu faço a minha literatura… Posso idealizar à vontade e as coisas dão certo do jeito que eu quero.

      Leu o texto do Pedro que deixei ali em cima? ^^
      (Sim, mais um blog/forum, rs. Acho q o Anarco não vai se importar, hahaha)

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    • Anarcoplayba says:

      Meu… tô lendo td antes de esponder mas tipo: que orgulho! hahahhaa

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  • Karina says:

    Acabei de ler, Nicky :) Vez ou outra passo lá pelo blog do Pedro, só n me animei ainda a comentar. Acabo criando esses vínculos afetivos com os blogs nos quais comento, então tenho que ser seletiva senão enlouqueço hauhauhau
    Gostei do texto. A ideia é muitíssimo parecida com um conto de Machado de Assis, “A Igreja do Diabo”. Não sei se foi uma inspiração. Nesse conto, o diabo, vendo que as pessoas tendem a ser mais pecadoras do que carolas, resolve criar uma Igreja para recolher seus “filhos”. No final das contas, o que ele conclui: o barato não é nem pecar nem ser temente a deus, o barato é a contestação, pq a partir do momento em que se criou a Igreja do Diabo aquele público antes tão pecador resolveu se tornar virtuoso.

    Segue um link, o conto é ótimo: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000195.pdf

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    • Nicky-san says:

      Né!?
      Quem não gosta de uma polêmica, que atire a primeira pedra!

      E a mulher que não gosta de ter a última palavra numa discussão, que atire a primeira pedra, também!
      rs

      Estou abrindo o Machado, vou ler ;D

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      • Nicky-san says:

        Aliás, que atire a segunda… A primeira já foi atirada, hipoteticamente, por quem não gosta de polêmica.

        Aaaaahhhhhh

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  • Anarcoplayba says:

    Ok… vamos começar pelo final:

    “ai, entenderam?”

    (porque eu n sei se vou conseguir me fazer claro…)

    1) Karina, milhares de perdões: eu que n entendi o que vc quis dizer mesmo.

    2) Quanto a preferir seres humanos melhores, sem precisar de um Deus melhor… olha… eu acho que existem Deuses e “DEUS”. E acredito que cada deus de cada religião é uma interpretação do “DEUS de verdade”, um deus que é tudo o que é e tudo o que não é, e, sendo tudo, pode ser interpretado de qualquer forma por qualquer um.

    3) É engraçado, né? As pessas são “tementes a deus”, mas quantas já tiveram a experiência transcendente? Pouquíssimas. Sinceramente? Eu gosto de pensar nesse aspecto da criação (a incerteza racional da existência de Deus) como um teste: “Você é bom porque tem medo? So sorry… caminho errado. Seja bom porque você é bom.”

    4) Debater a Natureza Divina de fato é como discutir o sexo dos anjos… mas olha… eu acho uma das coisas mais importantes que existem na vida.

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  • Karina says:

    Pra mim fez-se claro como a manhã de hj aqui na minha terra.

    Sabe qual o problema? Vc vê meu nome ali embaixo, commented by Karina, e pensa: “putz, lá vem minha Nêmesis de novo”, achando que já empunhei paus e pedras rsrs

    Quanto ao n.3, pois é, é a ideia que defendo, mas parece que poucos conseguem enxergar assim. A fé é uma necessidade, um alento, até um pretexto. Eu possivelmente me sentiria mais confortável se tivesse uma fé dessa natureza, mas até hj n coube em mim.

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  • roger says:

    Uma das minhas grandes felicidades foi ter percebido muito cedo que nao existe deus nenhum. Sem esperanca, sem medo.

    Qt a quadrinhos, gosto de The Walking Dead e to lendo/vendo aquela obra que nao foi ‘quadrinizada’, eu acho: The Road.

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  • Nicky says:

    uau… Estava fuçando nos meus arquivos e lembrei que tinha fotolog… Eu me divertia escrevendo lá.

    Cheguei nesse texto aqui http://www.fotolog.com.br/ladynicky/43203524 e lembrei desse seu post.

    Passa lá depois, vê como eu era revoltada em 2008, rs.
    Beijo

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