Sozinho como Goleiro na Hora do Penalty.

July 12, 2010 § 20 Comments

E agora, José? A Festa acabou, o povo sumiu, a luz apagou…

Como é a sensação? Estar sozinho, preso numa cela, sem chance de se defender. Mas isso você está acostumado, não? Ser goleiro no País do Futebol é isso: Lutar pra ser ídolo, e perder tudo em uma falha.

E eu imagino você, na favela, sem pai nem mãe, criado pelos avós.

“O que você quer ser quando crescer?”

“Astronauta!”

“Presidente!”

“Cientista!”

“Jogador de Futebol!”

Esse foi o seu erro, Goleiro. Ousou sonhar quando deveria ter se conformado com o destino que a vida lhe ofereceu. Mas não… você não se conformou e decidiu enfrentar o destino. E enfrentou da forma mais difícil: na defesa. Na linha do gol.

Como foi? Um time de futebol tem onze jogadores, dos quais apenas um é goleiro. Como era ser aquele que queria estar na pior posição de todas? Aquele que “é tão odiado que onde pisa não nasce grama”?

Mas você lutou. Ou melhor, você se defendeu. Dia após dia. Jogo após jogo. Penalty após penalty. E olha só: de defesa em defesa, você saiu da favela. E realizou o seu sonho.

“Quando eu crescer vou ser jogador de futebol…”

Mas o problema é que você sempre fez questão de ter o destino nas suas mãos… E de repente, quem caiu na mão dos outros era você.

Como foi, de repente, se ver preso pro resto da vida ao resultado de uma transa banal? Incapaz de se defender? Afinal, as regras do jogo eram outras. Você não esperava. Vinte e seis anos. Era sua hora. Você podia se divertir sem se preocupar, não é?

Não é.

Você não tinha como saber.

“Nossa… comi uma gostosa!”

“Você e o time do São Paulo! E do Corinthians! E do Palmeiras! E do Flamengo! Manézão otário!”

E você tomou uma decisão: escolheu o caminho do crime, mesmo sabendo que para aquela falta não haveria defesa.

E escolheu, novamente, tomar o destino em suas mãos.

Favelado? Sim. Criminoso? Sim. Doente? Sim. Mas não chantageado. Nunca vítima. Você não nasceu pra ser vítima. Non Ducor, Duco. Não sou conduzido, conduzo.

E você, que conduziu seus amigos para fora da favela junto com você (porque um amigo não esquece os outros), pediu ajuda. E eles concordaram. Um seria condenado… Todos seriam… Você seria o mandante. Houve hesitação? Houve dúvida?

Talvez sim, talvez não, mas não importa: Era uma decisão extrema, que não seria justificada por nada. E você decidiu. A pior decisão, sim. A mais difícil. A mais criticável. Mas ser vítima? Nunca. Nunca se omitir. Nunca depender. Nunca se sujeitar.

Não era sobre dinheiro. Era sobre mandar uma mensagem: ninguém te coloca contra a parede.

E agora você está entre quatro paredes. Porque você decidiu, não porque te enganaram.

***

Não entendeu? Simples: subitamente fui descadastrado dos comentários nessas discussões aqui, e resolvi fazer um exercício de retórica.

http://fabiohernandez.wordpress.com/2010/07/11/para-eliza/
http://fabiohernandez.wordpress.com/2010/07/10/quando-o-homem-nao-quer-que-a-mulher-engravide/
http://fabiohernandez.wordpress.com/2010/07/09/por-que-os-assassinos-de-eliza-tem-que-ser-punidos-exemplarmente/
http://fabiohernandez.wordpress.com/2010/07/08/atire-a-primeira-pedra-em-elisa-quem-pode/
http://fabiohernandez.wordpress.com/2010/07/07/a-tragedia-da-maria-chuteira/

Um crime é um crime. Assassinato está lá no nosso código penal, e a lei vai ser aplicada, na correta medida. Esse não mata mais.

Os atos das incontáveis Marias Chuteiras por aí, no entanto, vão continuar acontecendo.

§ 20 Responses to Sozinho como Goleiro na Hora do Penalty.

  • Nina says:

    Snif

    Snif

    Em que país vivemos! Que mundo cruel! Meu coração está a sangrar.

    Que sensibilidade, Anarco!!

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  • Nicky says:

    :’)

    Não dá pra ler esse post sem lágrimas nos olhos…

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  • Petite Poupée says:

    Boa Anarco!

    Ele descartou e foi descartado. Ela não só flertou com o perigo, o subestimou. E todos sumariamente derrotados pela miséria humana.

    Há poucos dias fui chamada de juíza severa numa análise que fiz…essa palavra ficou retumbando em minha mente: juíza, juíza, juíza…tão fácil nos deixar levar pela volúpia ao comentar e/ou analisar defeitos alheios, né? E, definitivamente, tenho facilidade nessa parada! Fiquei pensando… essa tal facilidade em julgar as nódoas alheias só tem sentido se for pra observar minhas próprias fraquezas…aprendendo compreensão e misericórdia, de maneira a me corrigir sem exercícios difíceis de suportar…amplarmente…

    Seu texto tem compaixão…eu estou ensaiando.
    Estamos juntos!

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    • Fabio Hernandez says:

      legal, anarco, bom exercício, bem escrito.
      só acho que toda a compaixão para o bruno, citada pela petité, não se manifestou em nada para a eliza. um matou, a outra foi torturada e assassinada.
      ele foi vítima dele mesmo, anarco, do sentimento de que poderia fazer o que fez e não acontecer nada, mesmo com tantas evidências.
      teve tempo para refletir, meditar, pesar o que ganharia e o que perderia.

      se preocupou, quando ficou enfim claro para ele que tinha sido desmascarado, com a copa de 2014.

      crimes bárbaros continuarão, sim, a ser cometidos, e são muito piores do que as ações de qualquer maria chuteira — e em número crescente a não ser que sejam exemplarmente punidos.

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    • Anarcoplayba says:

      Petit, sobre Julgamento, vai ser o tema do próximo post.

      Isso sim algo relevante.

      A respeito do Bruno, ele é um Vilão. Ponto. Vilões se enfrentam. Ponto.

      Não interessa se o Anakin virou Darth Vader porque amava a Padmé. Todos têm uma historinha bonitinha. Vilão se enfrenta. De peito aberto e frente a frente.

      O fato de que ele é um vilão, no entanto, não exclui o fato de que ela era uma vilã.

      E vilã se enfrenta frente a frente, de peito aberto.

      Sinceramente? Minha opinião sobre o fato? Não é sobre uma pensão. É sobre uma chantagem. Ela tentou a sorte e deu azar.

      Deu azar de tentar usar a Lei pra dar um golpe em alguém que não respeitava a lei.

      Tem uma coisa que eu parei pra pensar a respeito do depoimento de um dos assassinos. Eles tinham planejado matar a criança, mas mudaram de idéia. Deixaram a criança viva.

      Se fosse sobre dinheiro, o problema era a criança. Com mãe ou sem mãe, a criança ainda vai ganhar a pensão. Era só eles sumirem com a criança. Mas não. Foram na mulher. E a criança ainda tem direito à pensão.

      Por quê? Será que eles são meramente burros? Será que é sobre dinheiro?

      Não é sobre dinheiro: é sobre mandar uma mensagem. Injustiça dentro da Lei não é Justiça.

      E agora o Bruno vai ser crucificado (já está sendo). Mas não faz diferença: ele mandou o recado dele.

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      • Petite Poupée says:

        Crucificação o levaria à redenção Anarco. Culpados merecem cadeia!
        É preciso o passo adiante. O caso Eliza já deu o que tinha que dar!

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  • Gueixa says:

    Querido Anarquista.
    O sonho acabou mesmo.
    Mas o que impulsionou o Bruno a chamar seua amigos para praticar essa monstruosidade ( sim pq ele não se irritou e partiu pra cima de Elisa e meteu-lhe a mão nas fuças….Não…não senhor,ele chamou mais dois comparsas que vc em seu post chame de amigos e os colocou para torturar e depois matar Elisa. Eu te pergunto, se iriam matar, pra que torturar antes? Perversidade pura!)foram as mesmas condicionantes que fizeram Elisa se aproximar dele: fama e dinheiro.
    Lamentavelmente Anarco, ele se sentiu permitido a fazer o que fez, tanto comer Elisa quanto descartar Elisa, pelo dinheiro e pela fama.
    Quanto a sentir pena de Bruno, é claro que sinto. Num pais onde não existem oportunidades para pessoas pobres, é triste se ver uma vida ceifada em vida, num momento em que tinha quase tudo para crescer e frutificar…Eu lamento sim pelo Bruno e por tantos outros Brunos que produzimos diariamente.

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    • Anarcoplayba says:

      Teté… Não… centenas de milhares de pessoas vieram das mesmas condições que o Bruno… Milhões. Centenas de milhares vieram das condições da Eliza. Outros milhões. Isso não justifica nem “A” nem “B”.

      Talvez se a discussão no FH tivesse sido menos parcial esse texto nem existiria. É óbvio que esse texto não existiria, pois ele foi inspirado pela Nina quando conversávamos no Blue Pub sobre o caso.

      Por que iriam matá-la, eu te pergunto? Foi uma questão financeira? Então saiu caro. Será que eles não teriam pensado nisso antes? Será que ela é a vítimazinha? Ou será que ela não estava jogando um jogo muito perigoso? Tentando usar a condição de mulher pra “subir na vida”?

      Um dos assassinos afirmou que depois que ela foi morta Bruno teria dito “Acabou o tormento”. Então um deles perguntou se não dava pra resolver na Justiça e Bruno teria dito: “Está feito. Agora não tem mais o que discutir.”

      Será que ela realmente é essa Madre Teresa?

      Eu não conheço nem um jogador de futebol. Mas conheço algumas golpistas. E como eu disse lá atrás: assassino é assassino, e vai ser julgado e punido. Golpista é golpista, e vai ficar impune aos olhos da Lei.

      E agora eu pergunto, novamente? A gente vive num mundo mutuamente excludente em que os assassinados sempre são vítimas e os assassinos sempre são algozes? Preto ou branco? Sem tons de cinza?

      Vamos lá: nós podemos ser melhores que isso.

      Como diria Morpheus em Matrix: You have to free your mind.

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      • Gueixa says:

        Tarso, quem afirmou que ela era santa?
        O que eu percebo é uma legitimação ao que ele fez, por conta da conduta dela. Dois erros jamais farão um acerto. Jamais.
        E digo mais. Como Bruno não tem defesa, o que resta é o julgamento moral de Elisa.
        E isso, voce, profissionalmente, ja cansou de ver não é?
        Eu tentei ontem pelo msn, fazer um exercicio com um amigo, que compartilha de sua opinião. Pedi a ele que tentasse acusar Bruno e defender Elisa.
        Ele é advogado e não conseguiu…O julgamento moral e machista em cima dela é tão arraigado que passaram a justificar o que o Bruno fez.
        Sempre que se fala do que ele fez é de passagem. Não se discute o porque de não haver assistencia psicológica para esses meninos que saem da favela para o mundo da fama e da grana, para que eles tenha um pouco mais de dicernimento para lidar com essa nova condição…
        Não se discute porque um garoto como Bruno, ao começar a ganhar grana e ficar famoso se perimite tantos “exageros”…Aspeado porque é assim que estão tratando a morte de uma pessoa. Estão tratando com um exagero cometido por um homem transtoranado…Ora!
        Tarso, tudo o que a TV mostra é a bunda da Elisa…
        É muito ruim ficar aqui tentando dizer algo e não conseguindo me fazer entender…
        Mas eu acabei de dizer para o Daniel, la no FH, para ele criar coragem e dizer o que ele, de fato, pensa.

        Mas…eu te amo incondicionalmente Anarquista.
        bj

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      • Anarcoplayba says:

        Teté, uma vez que a conversa aqui tem menos ruído: Quem disse que ela era uma Santa? O FH.

        Os advogados de defesa dele vão tentar acusá-la? Sinceramente? Eu me mantenho longe do Direito Penal inclusive por causa disso. Pra mim a defesa tem que ser técnica. Entrar no mérito do caráter das pessoas eu só entro em último caso, quando estou lidando diretamente com estelionatários (lembremos que minha ala é a civil, eu cuido de patrimônio, não de moral).

        Eu acho que a defesa dele deveria ser técnica. Focar nas atenuantes e tentar reduzir o tempo de prisão. E eu duvido que eles terão sucesso.

        Sinceramente? Eu faço um julgamento moral, não da Eliza, mas das Marias Chuteiras. Dos Golpes da Barriga. Das Chaves de Buceta. Isso é nojento em um nível que, pra mim, influencia meu julgamento sim.

        Eu consigo ver sem grande dificuldade ele decidindo “acabar com o tormento” da única forma que ele tinha, afinal, na justiça ela ia ganhar.

        Agora, isso não exclui um fato, que pra mim simplesmente responde ao seu desafio. Quer que eu acuse o Bruno? Ok: ele é um homicida. Todo o rigor da Lei para ele. Nem mais, nem menos.

        O fato é: o Bruno terá um julgamento criminal. A Eliza um julgamento moral. Porque o comportamento dele é crime, o dela, imoral.

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      • Gueixa says:

        Ele também está sendo julgado moralmente Tarso. E já foi absolvido.

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      • Anarcoplayba says:

        Talvez sim, talvez não, Gueixa, não importa: o Direito é o mínimo de ética necessária para a sociedade. Moral é a casca vazia da ética.

        Que cada um faça o julgamento de acordo com sua moral ou falsa moral, ou sua ética, ou seus princípios. Isso é julgar. Isso é bom.

        Que todos nós tenhamos nossas opiniões. E que elas sejam coerentes com o que falamos e com o que manifestamos. E que elas sejam refletidas e coerentes em si tbm.

        E que nós respeitemos aqueles que discordam de nós, pois eles contribuem para enriquecer o debate assim como nós deveríamos contribuir.

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    • Nina says:

      Gueixa, não sei até que ponto “Brunos” são produzidos socialmente.

      Se de fato o que o levou a cometer tal crime é uma personalidade anti-social (ou como a mídia gosta: sociopata), o problema vem do berço.

      Claro que questões sociais/ambientais tem sua influência, principalmente no que tange a ressaltar ou enfraquecer determinadas características inatas.

      Só tenho um pouco de medo dessas afirmações mais voltadas para um determinismo social. Se de fato fosse nossa sociedade insana que produzisse tais criminosos (numa lógica linear), não acredito que estaríamos com problemas de superpopulação na terra.

      Anarco: fico na espera do seu post sobre julgamento. Desconfio que será deveras interessante.

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      • Gueixa says:

        Nina, produzimos sim quando se constata que grana permite tudo.
        Ou qual será o motivo de as pessoas se preocuparem tanto em se vestir bem, comprar relogios de luxo, carrões.
        Nossa sociedade é permissiva com as pessoas que tem grana Nina. Sabemos disso, voce, eu e o resto da humanidade.
        Veja um exemplo corriqueiro, e não me fale de exceções, se um garoto maltrapilho pede esmolas em um cruzamento, a cada mil automóveis que passam por ele, quantos lhes dão algum dinheiro?
        Ja em época de vestibular, os criuzamentos ficam super povoados de estudantes de universidades, particulares ou não, pedindo dinheiro para alcoól ou maconha…A maioria dos motoristas, abre um sorriso de aprovação para aquela cena e boa parte contribui.
        Por que ?

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      • Anarcoplayba says:

        Identificação, Gueixa. Nós nos identificamos com aqueles que julgamos semelhantes. O calouro no cruzamento vai lembrar o motorista de que um dia ele esteve lá também.

        Mas não é esse o ponto. O ponto é: o homem é produto do meio, ou o meio é produto do homem?

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      • Gueixa says:

        O meio é produto do homem Tarso.
        Por isso minha briga…

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      • Anarcoplayba says:

        Então descarte as condicionantes que o levaram ao crime.

        Ele decidiu isso. Se eu dou um tapa em alguém, essa pessoas reage como ela é. Ele reagiu como ele é. Isso não significa que ele não possa mudar (agora ou depois), nem que ele tenha sido sempre assim.

        Milhões de pessoas vieram da mesma situação que o Bruno. Centenas cometem crimes.

        Que se punam os crimes, sim, e que nos esforcemos por um mundo em que as pessoas têm mais opções de vencer na vida que não engravidar ou jogar bola.

        Porque embora seja possível, abrir uma estrada nova é cansativo.

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      • Gueixa says:

        Não posso descartar as condicionantes que nós mesmos criamos…
        E criamos não só para o Bruno. Criamos também para a Elisa também.
        Mas isso é conversa para se ter em bar…
        Vamos beber qualquer hora, com ina, Nicky, Guiga o catan na mesa.
        Se eu não conseguir chegar a uma conclusão, quem sabe aprenda um pouco mais do Catan rsrsrsrs….
        Bj

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  • Daniel says:

    É, infelizmente as golpistas como Eliza Samudio vão continuar a existir. E talvez, não bastassem as leis e jurisprudência que já amparam e instrumentalizam este tipo de golpe, a morte da referida ainda pode sucitar novas leis para ampliar ainda mais a proteção às que escolheram a aplicação deste tipo de golpe como meio de sustento. Já ouvi falar por aí de “lei Eliza”.

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    • Anarcoplayba says:

      Cara, eu espero do fundo do meu coração que não exista uma Lei Elisa. Leis feitas às pressas pra satisfazer o clamor popular costumam ser uma aberração.

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